Professor e historiador presta homenagem ao frei Paolino com um artigo por nome de Anjo dos Necessitados.
O professor e historiador Marcos Sampaio, um dos grandes amigos de Padre Paolino em vida, enviou a nossa redação, um artigo que o mesmo fez em homenagem ao eterno Padre. O professor Marcos Sampaio tinha uma ligação direta com o frei, pois na época em que foi diretor da escola Instituto Santa Juliana, sempre estava conversando e trocando algumas ideias, com o médico da floresta como era chamado. De acordo Marcos, Padre Paolino é mais que merecedor das homenagens feitas aos mesmo pela comunidade.
ANJO DOS NECESSITADOS
Será sempre um desafio hercúleo ousar traçar, ainda que suscintamente, algumas linhas tortuosas sobre a história de homens que se projetaram muito além de seu tempo.
No entanto, devo confessar que Deus me oportunizou ter vários contatos com um desses “espíritos inquietos”. Diversas vezes conversamos, sobretudo quando atuei como gestor na escola Instituto Santa Juliana, aliás, não apenas, lá também fui aluno, professor e pai do estudante Thommas Sampaio, e, da mesma forma, estudante da renomada instituição.
Um desses espíritos, Frei PAULINO, imbuído de muitos sonhos, não se resume apenas ao fazer eclesiástico, com incansáveis desobrigas nos vários rios da região, tendo contraído algumas dezenas de malárias, mais ainda, seu labor nos campos da saúde, meio ambiente, indígenas e educação (a mãe de todas as áreas), ajudando com isso, a salvar vidas e elevar o nível instrucional de almas, mormente, das comunidades rurais.
Nesse rascunho mal delineado, ousamos tentar rabiscar algumas linhas tortuosas sobre a vida desse “espírito impetuoso” – Pe. Paulino, prioritariamente nos campos da infância, vocação, passando pela ojeriza aos estudos, um contraste em relação às ações levadas a cabo na área educativa, especificamente na zona rural de Sena Madureira. Nesse preâmbulo, ousaria dar-lhe o título de Patrono do ensino rural de Sena Madureira. Assim, vamos nos deter ao foco que interessa-nos.
INFÂNCIA
Paulino nasceu na comunidade de Quizano, Bolonha, Itália em 2 de abril de 1926. Foi o terceiro filho de Arturo e Angiolina.
De família muito humilde, parece repetir-se a mesma sina de alguns poucos que ao desembarcar nesse mundo, marcam sua trajetória servindo aos demais. Isso se descortina quando, por exemplo, Paulino perde sua mãe, mamma (em bom italiano) logo aos 2 dias de nascido. Sua mãe teria saído para lavar roupas e após algum tempo retornou passando mal. Com a prematura perda da mãe, Paulino quase passa dessa para a melhor, não fosse a ajuda de uma vizinha que o alimentou com água açucarada, mantando, por assim dizer, a fome de nosso franzino Paulino. Na mesma esteira, uma ama de leite também o alimenta por quase um ano.
Paulino crescia. A partir dos dez anos de idade gostava de auxiliar seu pai nos trabalhos de ajudador de pedreiro, não havendo lugar em sua massa cinzenta para a arte das letras, o estudo. Porém, o desenrolar da história lhe reservaria muitas surpresas. E assim, surgem na aurora do alvorecer raios cintilantes da vindoura vocação.
VOCAÇÃO
Mesmo convicto não sendo dado aos estudos, Paulino estava fadado a servir. Ao inspirar-se num colega da escola, passa a nutrir em seu coração um desejo incontido de ser sacerdote.
Paulino, mesmo focado no trabalho, não esquecia as coisas de Deus. Era ativo na vida da igreja, espelhando-se sempre em seu amigo seminarista – o que certamente, resultou na influência que alimentou o sonho acalentado pelo jovem Paulino – enveredar pela trilha do sacerdócio.
Entretanto, como tornar-se um sacerdote com demasiada ojeriza aos livros? Conforme o próprio Paulino, “a escola era uma verdadeira prisão”. Talvez, Paulino não estivesse tão equivocado assim. Muitas das vezes, ao invés de ensinar a pensar, a escola impele às mentes, um processo de atrofiamento, quando foge à realidade, esquecendo-se que o ambiente escolar é um espaço privilegiado de produção de conhecimento engrandecedor de almas e não de aprisionamento delas.
Embora com toda dificuldade no manusear das letras, resistir ao chamamento de Deus seria atrair mais dificuldade ainda. Surge então, uma luz; se refugiar (matricular-se) no Seminário dos Servos de Maria no prenúncio dos anos quarenta. Contudo, havia um temor do velho pai, seu Arturo, quanto ao retorno imediato de Paulino ao seio familiar. Como podia um filho arredio às letras (estudo) ter êxito no Seminário que exigia estudo profundo? Todavia, a apreensão não para aí. Havia ainda a preocupação de um possível fracasso de Paulino, referente ao seu regresso prematuro ao seio familiar; como, em uma circunstância dessas, encarar a gozação dos vizinhos, servindo de motivo de chacota?
Felizmente a face da moeda virou favorável ao futuro reverendo. Ele não decepcionou. Isso foi decisivo para que o Anjo dos Necessitados singrasse, não somente as torrentes caudalosas do rio Iaco, mas também de toda a paragem puruense, especificamente do povoado chamado carinhosamente por alguns de “Princesinha do Iaco”.
Ao obter êxito no Seminário, Paulino toma conhecimento das experiências de desobrigas realizadas por Padre Gregório na Capital Acriana. Isso despertou o ímpeto e o desejo do noviço seminarista em se embrenhar nas florestas da Amazônia levando uma mensagem de esperança aos amazônidas.
Após a ordenação em 1953 em São Paulo, o “anjo das florestas” desembarca em Rio Branco em 1956 e, em seguida vai a Xapuri ministrar um retiro em pleno período carnavalesco. Encerrado o retiro, ele se dirige de batelão ao município de Brasileia, onde fora recebido pelo Bispo Dom Júlio Mattioli.
Depois de uma década servindo o povo brasileense, Padre Paulino recebe a notícia de sua transferência para Sena Madureira, em 13 de março de 1963. Chegando a Sena em 5 de abril do mesmo ano, foi auxiliado pelo Padre Otávio. No dia 7 do mês citado toma posse na Paróquia da cidade. Com sua chegada a Sena Madureira, tem início uma história com muitas nuances; perpassando a fé cristã, defesa dos indígenas, cuidados com a saúde da população, preocupação com o meio ambiente e o amor à educação da população rural, prisma ao qual nos deteremos com maior afinco.
DO TEMOR AO ESTUDO A CONSTRUTOR DA EDUCAÇÃO RURAL EM SENA MADUREIRA
Ainda nos primeiros anos de escola, o menino Paulino era um tanto quanto arredio ao estudo, chegando a desistir no decorrer do ginásio – atual ensino fundamental. Entretanto, tal atitude não perduraria, pois, do contrário, essas plagas jamais teriam tido a graça de presenciar a marcante epopeia do diligente Padre. Porque tornar-se seminarista, a história o colocou na órbita dos que, com altivez inquebrantável, doam-se por uma causa, transformar vidas, pois Paulino sabia que para evangelizar seria indispensável construir um processo de alfabetização junto às comunidades ribeirinhas. Levar instrução aos mais longínquos rincões da densa floresta, no dizer do escritor Euclides da Cunha, do “paraíso perdido”, referindo-se à Amazônia com sua floresta exuberante.
Depois de superar o temor dos livros, um verdadeiro contraste com o que reservaria o futuro, o missionário passa a ser atingido por uma avalanche de desejos de construir escolas, principalmente nos locais mais distantes. Assim, foram surgindo nos rios: Caeté, Macauã, Iaco e Purus, uma sucessão de escolas. A primeira delas foi erguida na Boca do Caeté ou Caiaté (nome original) a escola Anjo da Guarda, local do berço da residência do fundador (General José Siqueira de Menezes) da capital do Departamento do Alto Purus – Sena Madureira, em 25 de setembro de 1904.
Todavia, para lecionar nas escolas idealizadas por Frei Paulino, as primeiras professoras, por exemplo, eram escolhidas a dedo, de total confiança do Padre Paulino. Elas recebiam, muitas das vezes, um auxílio financeiro simbólico, sem jamais perder o amor às crianças. Outro propósito embutido na construção das escolas era assegurar a permanência das famílias nessas comunidades rurais, evitando, dessa forma, a migração para a cidade, impedindo dessa maneira o êxodo rural provocador das periferias desassistidas pelo poder público no entorno da cidade.
Assim, da atuação na fé cristã ao papel de construtor do ensino rural, o “Anjo dos Necessitados” teve influência preponderante na vida da sociedade de Sena Madureira. Ele é o divisor de água na história da Igreja Católica, não apenas no Acre, mas sobremaneira em Sena Madureira.
Da perda da mãe aos dois dias de nascido, de uma infância paupérrima, dos horrores da Segunda Guerra Mundial, das várias dezenas de malárias contraídas em desobrigas, das ameaças de morte em defesa da floresta, do perigo de ser jantado ou almoçado por onças, nada, nem mesmo assim, o impediu de fazê-lo sonhar e de realizar, construindo não somente escolas, mas um mundo onde os grandes homens ajudam a levantar os menores, e nisso, não há que se duvidar da marca indelével deixada pelo “anjo dos necessitados”, Padre Paulino Maria Baldassari, o missionário com aroma de povo.
Professor Marco Sampaio
Sena Madureira-Acre, 29 de maio de 2020
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